A respeito dessa importante decisão, a fim de orientar ou esclarecer os 497 Municípios do RS, a Assessoria Jurídica da Famurs e a CDP emitiram nota técnica.
A questão envolvendo a situação dos servidores municipais que se aposentam e permanecem no cargo, por força de decisão judicial, contrariando expressamente a legislação municipal, foi resolvida definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1302501, com a manifestação do Relator, Ministro Presidente Luiz Fux.
A respeito de tal situação, a Assessoria Jurídica da FAMURS e a CDP, emitiram nota técnica:
A matéria vem sendo julgada contrariamente aos Municípios desde 2005, no âmbito do Judiciário gaúcho, e foi tratada também por ocasião do incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, relativas às Ações Diretas de Inconstitucionalidade que foram protocoladas por 15 Municípios, tendo como paradigma a ADIN de Pinheirinho do Vale. Na referida demanda, os Municípios postulavam a declaração de (in) constitucionalidade da norma municipal que determina a vacância do cargo quando o servidor se inativa, independentemente do regime previdenciário, se próprio ou geral.
A posição do TJRS sempre foi contrária ao entendimento de vacância no cargo no momento da aposentadoria. Assim, os servidores vinculados especialmente ao regime geral eram mantidos por liminares e sentenças, posteriormente confirmadas pelos acórdãos da Corte Estadual. Contudo, desde meados de 2020, o STF firmou posição no sentido favorável à tese dos Municípios. Ou seja, efetivamente o dispositivo legal do estatuto municipal que prevê a vacância do cargo em caso de aposentadoria, restou declarado plenamente aplicável. O ente federado, que deve ter respeitada a autonomia constitucional de legislar sobre seu regime jurídico e seu quadro de pessoal, nos termos do art. 30, I, da Constituição Federal, já conta com entendimento nesse sentido em caráter definitivo pelo Supremo.
O IRDR julgado no TJRS fixou uma tese jurídica equivocada de que a concessão de aposentadoria voluntária de servidor municipal pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) não implica em automática exoneração do serviço público, inexistindo óbice à permanência no exercício do cargo. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do RS adotou a tese com eficácia vinculante sobre todos os processos que tramitam na Justiça Estadual, bem como aos casos futuros que versem sobre essa questão.
Da decisão do TJRS, foi interposto o Recurso Extraordinário do IRDR junto ao STF, que ainda pende de admissibilidade por parte do Relator Ministro Marco Aurélio, e que se desliga do Tribunal em 12 de julho de 2021. O mesmo IRDR julgado pela Corte Estadual de Justiça de Minas Gerais contou com a grande maioria de votos pela fixação da tese defendida pelos Municípios, ou seja, que a lei local deve prevalecer, por força da autonomia dos entes federados.
Da Recente Decisão do STF
O STF tem se pronunciado nas últimas decisões acolhendo os argumentos dos Municípios, no sentido de que a aposentadoria gera sim a vacância no cargo até então exercido, por força da prerrogativa constitucional do art. 30, I, e da autonomia dos entes federados, cuja cláusula é pétrea e não pode ser alterada nem mesmo por emendas.
Neste sentido, além da decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, na Rcl 5679, outros processos já foram analisados pelos Ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, seguindo na linha de entendimento do Ministro Marco Aurélio.
Na Rcl acima referida, o relator assim fixou seu voto ainda no ano de 2014:
No caso, a decisão reclamada, ao determinar a reintegração do servidor aos quadros funcionais da empresa, sem prejuízo da remuneração e das vantagens que este percebia a título de aposentadoria, contraria a autoridade do precedente citado e da pacífica jurisprudência desta Corte. Apesar de referir-se ao decidido na ADI 1.770, a decisão impugnada, ao determinar a reintegração do servidor aposentado, possibilitou a acumulação de proventos e vencimentos, cuja a vedação se estende às empresas públicas e sociedades de economia mista
A vedação de acumular vencimento com proventos decorre do fato do que se pode chamar ‘prorrogação’ do contrato existente entre o servidor e a administração pública. No entendimento no Ministro Marco Aurélio, a acumulação somente seria possível se o servidor aposentado ingressasse novamente no serviço público por meio da realização de novo concurso.
Já para o Ministro Alexandre de Moraes, no ARE 1225738, do Município de Lajeado do Bugre/RS, assentou-se o seguinte entendimento:
Com a devida vênia, o acesso aos cargos públicos rege-se pela Constituição e pelo Estatuto de cada unidade federativa. Estabelecido pelo legislador municipal que a aposentadoria é causa de vacância, não há como tolerar o reingresso do servidor ao mesmo cargo, sem prestar novo concurso público.
Não se desconhece que esta CORTE tem reiteradamente admitido a cumulação de proventos de aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS com a percepção de vencimentos de cargo, emprego ou função pública.
Todavia, essa histórica jurisprudência jamais teve como pano de fundo a hipótese de fato retratada nesta nova leva de casos, como o ora analisado.
Enfim, cumpre definir, aqui, se o servidor que ocupava cargo na administração municipal pode a ele ser reintegrado depois de se aposentar, sem prestar novo concurso público e à revelia da legislação municipal que estabelece a aposentadoria como causa de vacância do cargo.
Penso que tal prática é inconstitucional.
Também é o caso da decisão do Município de Santa Cruz do Sul, no RE com agravo 1.235.997, com a seguinte passagem do voto:
Conforme preconiza a citada jurisprudência, realmente não há qualquer problema em que alguém ocupe um cargo público e, simultaneamente, receba proventos de aposentadoria obtida pelo exercício de outra atividade. Mas, neste caso concreto, e naqueles muitos outros, praticamente idênticos, tem-se um quadro insólito:
– o servidor ocupa um cargo público;
– não está vinculado a regime próprio de Previdência;
– aposentado, manifesta intenção de voltar a ocupar o mesmo cargo público.
Com a devida vênia, o acesso aos cargos públicos rege-se pela Constituição e pelo Estatuto de cada unidade federativa.
No mesmo sentido, o Ministro Edson Fachin, na Rcl 36.983, Município de São Mateus, que assim expressa:
No caso sub judice, discute-se a constitucionalidade do art. 48, IV, da Lei nº 237, de 1992, deste Município de São Mateus, que determina que a vacância do cargo decorrerá da aposentadoria, à luz da Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998, que entrou em vigor na data de sua publicação. (…)
Desta forma, verifico que não há incompatibilidade entre o art. 48, IV, da Lei nº 237/92, com a Constituição Federal, pois o referido inciso determina que a vacância do cargo ocorre com a aposentadoria do servidor municipal, sem determinar qual o tipo de aposentadoria, sendo que o regime previdenciário adotado por este Município é o do RGPS, visto que inexiste o regime próprio.
No mais, a letra da lei municipal é clara ao determinar que a vacância do cargo ocorrerá com a aposentadoria. Assim, considerando que inexiste regime próprio ou obrigação legal para a criação do mesmo, não há que se falar em incompatibilidade do art. 48, IV, da Lei nº 237, com a Constituição Federal. Desta forma, tendo o servidor público municipal se aposentado pelo regime geral da previdência social a sua permanência no cargo após a aposentadoria se apresenta como indevida, por ocorrência da vacância prevista expressamente no art. 48, IV, da Lei Municipal nº 237/92.”
A decisão mais recente sobre a matéria tem a relatoria do Ministro Luiz Fux, Presidente do STF. Trata-se do Recurso Extraordinário 1302501, com o mesmo desfecho dos processos anteriores, porém com a diferença de que neste foi proposta ‘Tese’ de Repercussão Geral com o seguinte conteúdo:
O servidor público aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social, com previsão de vacância do cargo em lei local, não tem direito a ser reintegrado ao mesmo cargo no qual se aposentou ou nele manter-se, por violação à regra do concurso público e à impossibilidade de acumulação de proventos e remuneração não acumuláveis em atividade.
No corpo da decisão proferida, resta claro não haver margem para discussões acerca do tema, prevalecendo a reivindicação legal e legítima dos entes municipais em desligar definitivamente o servidor aposentado. Diz parte da decisão:
No que se refere ao mérito da controvérsia, o entendimento firmado por esta Suprema Corte é no sentido de que, se a legislação do ente federativo estabelece que a aposentadoria é causa de vacância, o servidor não pode, sem prestar novo concurso público, manter-se no mesmo cargo ou a ele ser reintegrado depois de se aposentar, ainda que a aposentadoria se dê no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Neste sentido, a ementa do acórdão de repercussão geral ficou assim redigido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA PELO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). LEGISLAÇÃO DO ENTE FEDERATIVO QUE ESTABELECE A APOSENTADORIA COMO CAUSA DE VACÂNCIA. MANUTENÇÃO OU REINTEGRAÇÃO AO CARGO SEM SUBMISSÃO A NOVO CONCURSO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS E VENCIMENTOS. POSSIBILIDADE APENAS NO CASO DE CARGOS, FUNÇÕES OU EMPREGOS ACUMULÁVEIS NA ATIVIDADE. PRECEDENTES. RE 655.283. TEMA 606 DA REPERCUSSÃO GERAL. DISTINGUISHING. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
A decisão apresentou ainda diversos julgados da Corte:
AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DE AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIRMADA NO SENTIDO DA DECISÃO EMBARGADA. DESCABIMENTO DO RECURSO.
(…).
- No caso concreto, o servidor público municipal foi exonerado ao se aposentar pelo Regime Geral de Previdência Social, tendo em vista que o Estatuto dos Servidores do Município estabelece a aposentadoria como causa de vacância do cargo público. As duas Turmas do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL têm entendimento no sentido de que não cabe a reintegração do servidor aposentado ao mesmo cargo público – ainda que, por falta de regime próprio municipal de previdência, a inativação se dê pelo RGPS -, pois: (a) tal pretensão constitui burla ao concurso público;
(b) não é uma hipótese válida de acumulação de vencimentos com proventos; e (c) trata-se de ofensa à competência do Município para legislar sobre o regime de seus cargos e servidores públicos.
(ARE 1.234.192-AgR-EDv-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 4/2/2021, grifei)
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL MUNICIPAL. APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA PELO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO LEGISLATIVA DE VACÂNCIA DO CARGO PÚBLICO. REINTEGRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS. DIVERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA REJEITADOS. (ARE 1.229.321-AgR-segundoEDv, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, DJe de 4/9/2020, grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL OCUPANTE DE CARGO EFETIVO. LEGISLAÇÃO LOCAL QUE PREVÊ A VACÂNCIA DO CARGO APÓS A APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO NO MESMO CARGO QUE OCUPAVA SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. CUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS COM PROVENTOS DE APOSENTADORIA ORIUNDA DO RGPS. IMPOSSIBILIDADE. APELO EXTREMO DO MUNICÍPIO AGRAVADO PROVIDO. PRECEDENTES.
- Segundo a legislação municipal a aposentadoria voluntária de servidor público regido pelo RGPS é causa de vacância do cargo público.
(….)
- Na hipótese, não é possível a acumulação de vencimentos de cargo público com proventos de aposentadoria oriunda do Regime Geral de Previdência Social.
- Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 1.290.168-AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe de 30/3/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. MUNICÍPIO DE VAZANTE. AUSÊNCIA DE REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL PELO REGIME GERAL. VACÂNCIA DO CARGO PREVISTA EM LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE DE REINTEGRAÇÃO AO MESMO CARGO PARA ACUMULAR OS PROVENTOS E A REMUNERAÇÃO DELE DECORRENTES. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I Aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social e prevista a vacância do cargo em lei local, o servidor público municipal não tem direito a ser reintegrado ao mesmo cargo no qual se aposentou a fim de acumular os proventos e a remuneração dele decorrentes.
(RE 1.246.309-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 31/3/2020, grifei)
Portanto, os casos judicializados e que tramitam nas comarcas ou nos tribunais estaduais, deverão observar a chamada ‘Tese de Repercussão Geral’ do STF, que autoriza o relator ao julgamento monocrático, caso a matéria seja levada ao exame do segundo grau. Quando se estabelece o precedente único, há o reflexo de diversos efeitos processuais práticos, entre eles a aplicação da tese em todos os casos, garantido maior efetividade e segurança jurídica. Os próprios juízes de primeiro grau poderão se valer da ‘tese’ para decidir pela não reintegração liminar do servidor e no julgamento do processo.
Da Emenda 103/2019 – Reforma da Previdência
A presente discussão se divide em duas situações claras: as aposentadorias e processos anteriores à publicação da Emenda Constitucional 103/2019 e a partir da nova previsão constitucional. A reforma da previdência incluiu a definição acerca da matéria ora em exame. Dispõe o art. 1º da EC 103/19, que introduziu o parágrafo 14 no art. 37 da Constituição Federal:
Art. 37………………………………………………………………………………………………..
- 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.
Por esta previsão resta clara e inequívoca a imposição do rompimento do vínculo entre a Administração Pública e o servidor que se aposenta, não havendo condições constitucionais para sua permanência no cargo declarado vago com a inativação. O dispositivo reforça a autonomia municipal no trato da questão, evitando assim qualquer discussão sobre o conteúdo e as suas consequências.
Contudo, o segundo ponto a ser abordado diz respeito ao disposto no art. 6º da EC 103/19, que assim prevê:
Art. 6º O disposto no § 14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.
Vale dizer que somente não se aplica a nova previsão estabelecida no § 14 aos casos anteriores à publicação da emenda, pelo lógico e jurídico entendimento da irretroatividade da norma, pois a mesma entrou em vigor na data de sua publicação. Ou seja, o que está expresso no § 14, independentemente de qualquer outra interpretação, avaliação, análise, seja abstrata ou de casos concretos, somente se aplica a partir da vigência da emenda.
O divisor legal é a data de vigência da EC 103/19. O servidor que constituiu plenamente o direito à inativação, cumprindo todos os requisitos após a data da emenda, deve ser desligado do Município tendo como base jurídica a emenda referida. Os processos anteriores à entrada em vigor da EC 103/2019 observarão o desligamento com base da decisão do STF, conforme acima mencionado.
Tudo isso nos termos das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, que definiu a questão com base na impossibilidade de acumulação de vencimentos e proventos de aposentadoria, bem como da necessidade de ingresso em cargo público efetivo exclusivamente por meio de concurso, jamais por prorrogação de vínculo, e da aplicação da norma municipal que prevê tal desligamento, vedada a manutenção do vínculo com o servidor, independentemente do regime previdenciário.
Assim, em qualquer das circunstâncias, deve o Município cumprir a lei local e desligar/exonerar definitivamente o servidor aposentado por qualquer regime de previdência, seja próprio ou geral.
É a manifestação.
Porto Alegre, 30 de junho de 2021.
FAMURS – Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul
CDP – Consultoria em Direito Público